A Mulher do Ufólogo

Dalva e Laerte formavam um casal diferente. Ele sempre fora um solitário ufólogo de fama internacional, mas sem muitas relações inter-pessoais. Já Dalva era o oposto. Uma mulher briosa, simpática, fazedora constante de amizades, e de papo extremamente agradável. Porém, sempre fora uma moça cercada de mistérios.

Havia aparecido na pequena cidade de Jotalhão subitamente. Sem lenço, e sem documento. Uma mão na frente, e outra atrás. Aliás, quando disse anteriormente “sem documento”, referi-me ao sentido literário da expressão. Dalva não tinha registro geral, nem muito menos cadastro de pessoa física. A única coisa que carregava ao chegar à cidade era um enorme corte na cabeça, além de uma evidente amnésia, possível resultado do ferimento. Talvez, em uma cidade grande, o incidente de Dalva e sua ausência de documentos (consequências de um provável roubo), fossem melhor esmiuçados, mas, em Jotalhão, as coisas eram muito mais brandas.

Pouco tempo havia se passado e a cidade já tinha abraçado a nova filha. E nem houve muito tempo para as peçonhentas “carolas” da cidade, injetarem seus venenos com comentários maldosos (pura inveja em virtude da beleza da recém-chegada), pois essa, estranhamente, e para surpresa de todos, apaixonou-se logo por Laerte, o Ufólogo.

Laerte era um homem respeitado no mundo da Ufologia, era referência mundial nos estudos sobre a possibilidade da existência de vida fora da terra, e era chamado para um sem número de palestras por todo país. Porém, na pirâmide social de Jotalhão, pairava um degrau abaixo de Moisés – o profético mendigo local.

Mas os dois se conheceram e se completaram. “O amor é a forma mais democrática da loucura”, diziam alguns inconformados. Fato é que, em menos de 6 meses, Dalva e Laerte estavam matrimoniados. O casamento, inicialmente, foi soberbo. A mulher era regada à bons tratos, e desejada à “maus tratos”. Todavia, o tempo foi passando e Dalva foi deixando, cada dia mais, de ser uma novidade para ele. Isso somado ao aparecimento sem precedentes de um cometa, fez com que a relação do casal esfriasse.

Vinte anos se foram, seguindo essa mesma toada de indiferença, falta de desejo e atenção por parte do Ufólogo, que, dispendia a maior parte do seu tempo concentrado em seus estudos e pesquisas. Às vezes, Dalva dizia ao marido que, ficar olhando a mandioca plantada, não a fazia crescer mais rápido, uma nada sútil metáfora referente ao fato dele passar, noites e mais noites, olhando para o espaço em seu telescópio de última geração, ao invés de prestar atenção na própria esposa.

Certa vez, quando preparava-se para ir ao seu pequeno observatório situado na zona rural de Jotalhão, foi surpreendido com a notícia da companhia de sua esposa. “Já que Maomé não ia à montanha…” concluiu Dalva. Naquela noite, a presença de Dalva foi ignorada, tanto quanto um pote de requeijão repousando na geladeira de alguém intolerante à lacticínios. Ela, então, acabou por perder a paciência, discutindo seriamente com Laerte, e pegando suas coisas ao deixar o observatório. E nunca mais voltou. Dalva sumiu sem deixar vestígio algum. Laerte demorou algumas horas até perceber o desaparecimento da mulher, mas quando notou o que havia acontecido, desesperou-se. Amava-a muito. Apenas não sabia como demonstrar aquele sentimento.

Enquanto isso em algum lugar do Universo…

– Finalmente você concluiu seus trabalhos! – disse um ser bizarro em uma língua indescritível.

– Demorou um pouco mais do que o esperado, houve contratempos…- justificou-se Dalva enquanto arrancava o próprio rosto para revelar toda semelhança física com seu inquisitor.

– Vinte anos humanos não é muito tempo, mas é mais do que suficiente para chegar à uma conclusão. Então, o que você concluiu em sua pesquisa? indagou a criatura.

– Não há perigo algum. Pelo menos por um belo tempo. respondeu Dalva (ou seja lá o que for).

– Você sabe como os humanos podem ser perigosos. Eles parecem gafanhotos em plantações, quando acham um brinquedinho novo. Vejam só o que fizeram com a Terra. Não os queremos tão cedo xeretando em nosso planeta. Você tem certeza de que eles estão longe de descobrir que há vida fora da Terra?

A pergunta deixou Dalva absorta, refletindo sobre todo tempo que passara com Laerte, e como, surpreendentemente, se apaixonara pelo homem a quem devia investigar sobre as descobertas extra-terrenas. Passara a amá-lo tanto que teria lhe contado tudo que quisesse saber sobre o Universo, em troca de um pouco mais de atenção e carinho. Teria traído seu povo por amor. Um amor, afinal, não correspondido. Choraria se seu organismo permitisse. “Dalva” não possuía pálpebras. Engoliu os pensamentos, e friamente respondeu aquilo que toda mulher acredita ser a maior verdade de todas:

– Eles estão longe de desvendar os segredos de uma mulher, quanto mais os mistérios do Universo.

E de volta à Terra, Laerte nem imaginava que, caso tivesse prestado mais atenção em sua esposa, talvez hoje soubesse mais sobre Ufologia do que os humanos saberão em séculos. Ironicamente, ele resolvera abandonar a profissão para se dedicar integralmente à procura da esposa. Justamente agora que ela se encontrava no espaço.